quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Sobre as Trilhas para Principiantes

Então você descobre que gosta de fazer trilhas. Isso (bem) depois dos trinta anos de idade, quando seu condicionamento físico já não é tão a favor de aventuras de risco e seus pulmões têm a força de um patinho amarelo de borracha, daqueles que a gente brinca numa banheira (num ofurô, no meu caso). Meu treinamento consiste em alguns quilômetros de corridas-trotinho na esteira da academia, caminhadas subindo e descendo a Rua Augusta e idas até o chão nas pistas de dança da vida – forninho eu não carrego não, meus amigos. Sou phynna.  

Este é um relato de alguém que decidiu fazer depois dos trinta, algo que deveria ter feito aos vinte anos de idade. Nessa idade, a única trilha que eu fazia era nos jardins escondidos do Central Park. Quem conhece o lugar sabe que tipo de aventura encontramos nesses remotos anti-turísticos e apaixonantes cantinhos fora do óbvio.

Comecemos pelo óbvio. Como escolher a trilha? Se você é um principiante, pesquise tudo o que puder ANTES de fazer qualquer loucura. Veja se dá pra aguentar, se é íngreme, quanto tempo uma pessoa normal leva pra chegar ao destino (geralmente quem alimenta sites sobre dicas de viagem é alguém altamente treinado pra esse tipo de esporte, então se a pessoa diz que levou 2 horas pra fazer a travessia, você vai levar 5), qual o destino (porque a compensação é exatamente o motivo de se fazer uma trilha) e se não tem muita farofada ou gente com camiseta estampada de Romero Britto cruzando seu caminho.

Mochileiros e Trip Advisor continuam sendo os melhores sites pra pesquisas.

Eu não pesquisei na minha primeira trilha e um passeio ao Rio Aquidauana, Pantanal sul-mato-grossense, acabou virando uma trilha de 3 km dentro da mata fechada, atravessando vazantes e enfrentando uma tempestade tropical. Traumático? Nem um pouco. Os tucanos, as araras, a água gelada do rio, as chalanas, a boiada branca correndo nos vastos campos das imensas fazendas que atravessamos e até o pavor das piranhas fazem parte de uma das memórias mais lindas que tenho.
Depois disso, voltei às trilhas com muita precaução, pesquisa e preparação. Aprendi a montar uma mochila útil para a atividade, (na primeira trilha levei até nécessaire com make), me condicionei, perdi peso e comi muita cenoura e beterraba - nada melhor pra voltar com aquele bronzeado-molho-shoyu pra São Paulo sem ter que gastar um absurdo com bronzeador importado.
Sem mais delongas, e tentando ser o mais objetiva possível (sou geminiana, sorry), vamos ao que interessa. Já sabe aonde vai? Lembre-se de que, se for pra cachoeira, não vá no período de chuvas, ou você não vai entrar em nenhuma. Se for pra praia, evite alto verão. Além de cheio, é caro. Trilha boa de praia é no inverno.  No verão brasileiro, vá às trilhas no inverno canadense. No inverno brasileiro, corra pras trilhas de Punta del Este.  No outono? Trilhas urbanas em jardins – sim, fiz uma em Curitiba de 1 km e meio.  


Vamos lá. Comece com trilhas de um dia, porque acampar já é nível intermediário/avançado. Vista-se com shorts, camiseta e se não tiver ‘walking boots’, tênis de corrida servem. Leve uma mochila com proteção térmica. Tanto pra uma trilha com sol, chuva ou neve, a proteção térmica é importante. Leve duas garrafas de água de 500 ml cheias. Se for pra cachoeira, leve duas a mais vazias, a volta é sempre subida e a sede é mortal. Se for pra praia, não haverá água potável lá (se tiver água pra vender lá, oops, você não está numa praia deserta, escolha mega-fail). O ideal é não ir sozinho pra trilhas de praia, pra poder levar o maior número de garrafas d’água possível. Frutas secas, castanhas e maçãs frescas. Barra de proteína, mini kit primeiros-socorros, uma canga/toalha e chinelos. Repelente, carregador portátil de celular, bússola, protetor solar, um canivete e farolete. Pelo amor de Deus, se não conhece o lugar e não sabe se virar no meio do mato, contrate um guia local. A não ser que você queira se perder e passar uma noite sendo devorada por mosquitos, morrendo de fome ou tentando não ser comida por uma onça. Não, não é porque você assistiu Lost que você vai saber como encontrar o caminho de volta. Você não vai. Isso é sério. Enrole seu celular em plástico filme. Vai por mim.
Agora vai, divirta-se e perca suas celulites. Trilha não combina com bebida alcoólica e cigarro, música alta e conversinha. Chegando lá, faça o que quiser. Mas lembre-se que tem que voltar, então não abusa. 


segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Sobre as Estradas

O que é um viajante senão sua estrada? Segue abaixo uma lista dos 12 filmes que mais me encantam. Para serem vistos e revistos. Quantas vezes forem necessárias. Espero que gostem.
 

Uma História Real
"A straight story", David Lynch - 1999

Dez
"Dah", Abbas Kiarostami - 2002
 








Pequena Miss Sunshine
"Little Miss Sunshine", Jonathan Dayton & Valerie Faris - 2006









Viagem a Darjeeling
"The Darjeeling Limited", Wes Anderson - 2007









Na Estrada
"On the Road", Walter Salles - 2012









Diários de Motocicleta
"Diarios de Motocicleta/The Motorcycle Diaries", Walter Salles - 2004









Assassinos por Natureza
"Natural Born Killers", Oliver Stone - 1994









Amor à Queima Roupa
"True Romance", Tony Scott - 1993









E Sua Mãe Também
"Y Tu Mamá También", Alfonso Cuarón - 2001









Priscilla, a Rainha do Deserto
"The Adventures of Priscilla, Queen of Desert", Stephan Elliot - 1994









O Mágico de Oz
"The Wizard of Oz", Victor Fleming, George Cukor, Mervyn Leroy, Norman Taurog & King Vidor - 1939








Thelma e Louise
"Thelma & Louise", Ridley Scott - 1991









Paris, Texas
"Paris, Texas", Wim Wenders - 1984


sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Sobre os meus fones de ouvido

 
O que é uma viagem senão sua trilha sonora? Essa pequena sessão de músicas resume o que mais me encanta ouvir enquanto rodo as estradas ou os ares desse planeta que tanto amo - sim, é o único que tenho e por isso, preciso explorar. Não é que eu não aprecio meu lar, afinal todos temos um pouco de alquimista, todos sabemos que a verdadeira felicidade está onde estão nossas raízes. Mas, a vida é muito curta pra ficar parado. Um conselho: saia do seu lugar de origem. Vá aonde ninguém te conhece, porque é só assim que você se encontra. Trabalhe pra ser livre. Dinheiro no colchão mofa. Tente fazer tudo isso sozinho, mas caso queira ir com alguém, que seja uma pessoa que respeite o seu silêncio e seus fones de ouvido.
 
A ROAD SETLIST
  1. 340 - Fairy Tales
  2. Isobel Campbell & Mark Lanegan - Time of the Season
  3. Red Hot Chili Peppers - Road Trippin'
  4. Club des Belugas - The road is lonesome
  5. Lady Gaga - You and I
  6. David Ford - Song for the road
  7. Marisa Monte - Mais uma vez
  8. America - A horse with no name
  9. Dave Matthews Band - Ants Marching
  10. Bjork - Violently Happy
  11. Madonna - Sky fits heaven
  12. Moloko - Fun for me

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Contos da Estrada: Sobre o Menino

Clique aqui: Trilha sonora pra esse conto

Sentou-se no banco daquela igreja, mas não teve coragem de se ajoelhar. Era sempre assim. Ajoelhar-se era um tormento psicológico. Não conseguia e ponto. Um gato dormia logo ali no banco da frente. Curvou-se, pegou aquela bola de pelos e acariciou por um longo tempo. Sentiu os músculos, a respiração e assistiu-o lamber-se inteiro quando se cansou dos carinhos daquelas mãos desconhecidas.  Ambos se levantaram daquele banco e saíram cada um pro seu lado. Nenhum dos dois havia rezado.
Ela ainda sentia uma leve dor que vinha da cintura e ia até metade de suas coxas. Intensificava quando tentava se agachar. Pensou que sairia ilesa daquela falsa santa casa, sem resquício nenhum do que havia feito. Mas crime nenhum é perfeito. A dor era tamanha nos primeiros dias que precisou pedir abrigo naquela comunidade antes de seguir a estrada rumo ao nada. Um animado boiadeiro levava frutas, canja, pão e água fresca até o seu quarto, instalado dentro da casa do patriarca da vila. A senhora que a havia ajudado desde o minuto em que chegara naquele lugar passava de hora em hora pela sua janela, perguntava: ‘tudo bem fia?’ e sumia. Ela afirmava com a cabeça e voltava seus olhos àquela pequena TV no canto do dormitório. 'Em quarenta dias tudo volta ao normal.' E era assim que conseguia alívio para os seus pensamentos antes de adormecer.
Ao final do terceiro dia o sangramento havia parado, a canja do boiadeiro animado fizera efeito e a necessidade de sair daquele lugar aumentava. Estava encantada com a praticidade e a sabedoria interiorana, onde senhoras semianalfabetas preparavam seus próprios remédios e soluções ‘Pra tudo, fia, menos pra morte’. Seu amigo boiadeiro a levou até a autoestrada e aguardou gentilmente até um carro parar e oferecer carona pra ela. ‘Até um dia, moça, Deus há de lhe perdoar. ’ ‘Amém, Seu Zé. ’

***
O riacho era raso, o que tornou o banho ainda mais convidativo. O jovem seminarista que cedera um espaço na sua velha caminhonete preferira ficar sentado embaixo de uma árvore enquanto ela se refrescava um pouco. Ele descascava uma laranja e tentava não olhar pra aquela forasteira, que a pele era tão branca que refletia como um diamante rosado em meio aquelas pedras escuras. Ela percebia seu olhar, porém diante de tamanha fragilidade do momento, preferira ignorar qualquer instante que remetesse a carne. A voz daquela senhora dizendo ‘espera quarenta dias, fia’ não saía de sua cabeça. A única coisa que sua mente enfraquecida guardara daquele momento tão único.
Já no carro, a estrada continuava deserta e os olhares daqueles dois seres se cruzavam nas poucas vezes que algum caronista surgia em meio aquela imensidão. Ele não parou pra mais ninguém. Ele queria apenas ela ali do lado dele, silenciosa e lacrimejante. ‘Você já ouviu alguma confissão?’ ‘Não, nem posso ainda. ’ ‘Não importa, preciso me confessar. ’
A confissão durou 57 km. Ele, em silêncio, ouviu tudo que ela tinha pra dizer. Não sabia o que dizer diante de sua narrativa. Não sabia até onde tudo aquilo era verdade. Mas sentia que precisava ouvir tudo em silêncio, e qualquer interrupção quebraria talvez, o único momento de alívio daquela criatura a quem ele dispusera o seu dia.

A confissão terminou em cima de uma ponte. Ela pediu que ele parasse pra que pudesse fotografar o pôr-do-sol. Respirou fundo, ajoelhou-se, pediu perdão e agradeceu.
A caminhonete seguiu caminho. Ele fez o que ela pediu ao final do quinquagésimo sétimo quilômetro. 'Deixe-me aqui e não olhe pra trás.'

Naquela ponte ficou uma mochila, uma máquina fotográfica e um par de chinelos.
Nenhum dos dois nunca mais foram vistos.
Seu Zé sabe, mas não conta.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Sobre o individual

Perguntada sobre o nome do meu novo blog, hesitei mais do que gostaria pra responder. Só consegui dizer que o armário ficara apertado e sufocante demais pra alguém que almeja conquistar o mundo. Risinhos irônicos de minha parte e um olhar de descrença do outro, uma vez que o título “Viajante Individual” tem como primeira (e talvez única) definição: alguém que viaja sozinho.

Como assim conquistar o mundo? Sim, eu tenho o direito de conquistar o meu mundo. O mundo que eu tenho e que eu criei pra mim. Com os habitantes que eu quero que vivam nele. Com os valores que eu acho que prevalecerão. Priorizando o que o indivíduo é, não o que esse indivíduo tem ou o que ele pode oferecer pra mim. Esse mundo é lindo e é só meu. – Como diz alguém muito querido: “um mundo de seres e não de teres”.
Viajar individualmente, pra mim, não é viajar apenas sozinha. Sim, estar sozinha é parte de uma busca de mim mesma, e estar comigo mesma durante alguns dias é extremamente saudável dentro das minhas fraquezas e necessidades de melhoria. É saudável pra mim e pra quem me rodeia. Mas, por que as pessoas viajam? Eu viajo pelo indivíduo. Eu e o próximo. O anônimo, aquele que nunca mais reencontrarei. Mas sei que existe. E aprendi alguma coisa com ele. Algo que com certeza me fez um indivíduo melhor.
Honrar territorialmente esse lugar onde mereci nascer. Pisar em solos diversos, respirar o ar que é sempre distinto, sentir as temperaturas oscilantes das brisas em meu rosto, ver o Sol se pondo em diferentes cantos, comer o fruto de cada terra, me deitar em diversas camas e me aconchegar em diversos braços e abraços. Ser um indivíduo que viajou e conheceu o mundo.

Seguirei minha estrada agora, individualmente. Eternamente grata a todos que passaram por mim e dividiram um pouco de si.
Quanto ao armário, ele ainda está lá. Voltarei pra dentro dele sempre que achar necessário.  

  
 

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Notas da Estrada III - Sobre diálogos e insônias



 
-Quero.
-Não posso.
-Por quê?
-Não tem.
-Cadê?
-Sumiu.
-Por quê?
-Egoísmo.
-Seu?
-Meu? Não. Seu.
-Não sou.
-Sim, você é.

-Vou dormir.
-Boa noite.
-Apague a luz.
-Estou lendo.
-Não consigo dormir.
-Leia.
-Quero de novo.
-Não posso.
-Por quê?
 

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Sobre o Paraíso

 
Dizem que se você for uma boa pessoa, não fizer mal a ninguém, trabalhar honestamente e amar o próximo como se não houvesse amanhã, você vai para o céu. Aquele mesmo céu que a gente aprendeu nas aulas de catequese, aquele onde a água é cristalina, os campos são verdes, as pessoas são boas e os bichinhos vivem tranquilamente.  É verdade. Eu não sou nem de longe uma pessoa tão boazinha assim.  Mas de alguma forma o universo me recompensou com uma passadinha no paraíso, só pra me lembrar do quanto ainda vale a pena continuar nesse planeta (lindo).
 
 
Enfim. Quer conhecer o Paraíso? Vá até o Distrito Federal. Em Brasília, saindo do aeroporto vá até a rodoviária, se for de táxi, dá no máximo R$ 30,00, mas também há a opção de ônibus executivos e comuns. A distância é curta, o trajeto leva uns 20 minutos. A viação Real Expresso faz 2 viagens por dia para Alto Paraíso, a estrada é linda e em menos de 4 horas você chega aqui, no melhor cantinho do mundo.

A cidade é pequena, tem todas as características interioranas, num misto de sertanejo e comunidade hippie. Tem estrutura pra turismo, as pessoas são gentis e o ar é puro. Existem pousadas, hotéis, hostels, campings e calçadas pra repousar. A pracinha é charmosa, onde se come a melhor tapioca (pelo menos em minha opinião) e conversa-se em inglês como se estivesse nos EUA. O número de estrangeiros que abandonaram tudo e compraram propriedades é imenso. Diziam que se o mundo acabasse a Chapada dos Veadeiros seria a melhor chance de sobrevivência. Alguns a chamam de “berço do recomeço”. Ironicamente, fiquei sabendo disso dias antes de embarcar nessa aventura, num momento em que tudo que preciso é recomeçar. Novamente, obrigada universo.

Os passeios são infinitos. As trilhas perigosas, as cachoeiras iluminadas e a água abundante, cristalina e gelada. A paz prevalece. Alugue uma bicicleta e vá até Loquinhas. Contrate um guia local e vá até Cristais, Almécegas, Santa Bárbara, Macaquinhos, Vale da Lua, Vila de São Jorge, Quilombo Kalunga. Coma pizza. Ah, a pizza. Tome suco de frutos do cerrado. Beba água da cachoeira. Assista o pôr-do-sol. O nascer do sol. Perca peso e faça suas celulites sumirem nas subidas e descidas, nas grandes montanhas e nos campos vastos.  Não beba álcool. Silencie-se e, acredite, dá pra meditar 24 horas por dia. Saúde o Espírito que vive dentro de você.
Alto Paraíso é assim.
Um lugar para renascer. 

Sobre a Ilha



Eu andei alguns bons metros pra chegar até lá. Em todas as buscas que havia feito, a gruta era uma das principais atrações. Sabia que precisava conhecê-la, que a trilha pra se chegar até lá era linda e fácil, que a praia que eu encontraria seria deserta. Eu sabia de tudo isso. O que não imaginava, seria a sensação de estar lá dentro.
A gruta é pequena por dentro. Gigantesca por fora. Quando a maré está alta, não se entra. A praia estava deserta, assim como a maior parte da ilha. Decidi viajar no inverno, pois sei que o inverno numa ilha tem o vazio que eu procuro nas minhas trilhas.
Estendi uma canga, sentei em posição de lótus e durante um longo período, ouvi duas goteiras apressadas, sincronizadas e incessantes, o barulho das ondas do mar ali do lado e o silêncio milenar daquelas rochas que me abrigavam. Ouvir o silêncio de uma gruta é uma das coisas mais purificantes que já experimentei. Feita meditação, preenchida pela paz e grata pelo momento, me levantei para o alongamento e, até aquele momento não havia feito isso, olhei para um canto da gruta. E eu a vi. Uma minúscula imagem de Nossa Senhora Aparecida, escondidinha no meio de pedras há muito tempo. De alguma forma, parecia que estava esperando por mim.

Pela minha base católica, rezei Ave Maria. Pela minha alma milenar, pedi. Por tudo que estava sentindo naquele momento, agradeci. Retirei-me da gruta, me despi e deitei naquela areia quente.
Desse momento, sobrou-me um texto nunca publicado. Desse instante, restou-me a busca por uma nova essência. Desse dia, a ideia de que tudo estava certo. Desse período, o aprendizado.
Ontem foi dia de Nossa Senhora. Lembrei-me dela, dessa viagem e de mim. É certo que minhas preces foram ouvidas. Pedi a ela que tirasse todo o mal de perto de mim. Pedi a ela que me mostrasse os caminhos e mantivesse apenas o que fosse verdadeiro. E foi assim que eu acordei hoje. Sabendo que apenas o verdadeiro importa. Feliz e grata por ter fé.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Sobre Tito


 
 
Quando ela entrou naquela casa a única coisa que pediu foi pra que ele fechasse as cortinas e a porta, apagasse as luzes e a cobrisse. Precisava se esconder e não havia lugar melhor naquele momento para isso. Ela o olhou com seus olhos de Teresa de Kundera. Olhos adoecidos de um mundo todo. Perdidos e pedindo. Ele entendeu em um meio silêncio, fez o que pediu e se deitou ao lado com seu controle remoto nas mãos. Nada importava naquele momento. Ela estava indo embora e precisava se despedir. Ele, com sua habitual compreensão, sabia que era uma despedida. Não sabia quantos dias ela demoraria lá. Sabia que tudo estava pra mudar, mas mesmo assim, sabia que precisava dela ali deitada de bruços olhando pra ele e tentando sorrir. Tudo doía tanto. Até então ela não havia se dado conta que não se alimentava há dias. Uma fome violenta veio e ele a alimentou. Alívio pro corpo, pra alma e pra mente. O desespero enfraquecia diante de tais cuidados. Foi aí que ela adormeceu. Por quase dois dias seguidos.
Sentiu um cheiro forte de café antes de abrir os olhos. Uma luz fraca entrava pela janela, e a primeira coisa que viu ao despertar foi um cãozinho tentando puxar seu osso que nesse momento estava debaixo dela. Levantou um pouco as costas, o suficiente para ajudar Tito, o cãozinho, a retirar o seu brinquedo. A porta do quarto se abriu e ele entrou, carregando uma xícara de café com leite. “Café fervendo, leite frio e 9 gotas de adoçante. É assim, não é?”, perguntou sorridente. Ela concordou com a cabeça, sorriu honestamente e bebeu dois longos goles de seu desjejum preferido. Leram alguns textos, tentaram escrever alguns poemas. Falaram pouco.  
O dia de ir embora estava próximo e ela precisava sair dali. Uma força parecia a segurar naquele lugar. Passava os dias com o cãozinho, não se alimentava até que ele voltasse do trabalho e cozinhasse algo pra ela. Aquilo não o incomodava. Ele sabia que precisava voltar pra casa e alimentar aqueles dois seres que o aguardavam com tanto carinho. Eles conversavam sobre o dia dele. E ela lia pra ele os melhores textos que havia lido no dia dela. Comentavam o telejornal, se alimentavam, adormeciam juntos e muito cansados.

Até que um dia ele voltou do seu trabalho e ela não estava mais lá. Nenhuma carta, nenhuma mensagem. Tito olhava pra ele, como que dizendo “é, meu amigo... ela se foi”. Ele sentou-se na cama, sentiu o cheiro dela no seu travesseiro e adormeceu. Por dois dias seguidos. Ele sabia que ela estava feliz. E isso bastava.

Acordou, tomou um gole de conhaque e saiu pra trabalhar.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Notas da Estrada II - Sobre a Piedade

Almecegas, Alto Paraíso-Goiás
Tende piedade. Nenhuma oração é à toa.
Ninguém perde por rezar
Mesmo que por um ser que não existe.
Ninguém se perde por tentar amar uma criança.
Mesmo que esse ser não exista.
Tende piedade.
Se te engana é porque tem medo.
Se te machuca é porque é covarde.
Se mente é porque ainda não encontrou a sua própria verdade, a sua idade, a sua escolaridade, a sua paternidade. 
Se te fez gastar o pouco de dinheiro que tinha, é porque a avareza lhe tomou a alma.
Se espalha a tristeza por onde passa,
Se enche o próximo de uma falsa esperança,
É porque o vazio prevalece em seu coração. 
Se te humilha é porque está cego pela ambição.


Se apareceu na tua vida é pra você entender a sua grandeza. Se veio, foi pra mostrar a pequenez do ser humano. Aceite. 

Tende piedade.
Liberta-te
Refaça-te

Tende piedade.
Ama-te.
Perdoa-te.