sábado, 15 de agosto de 2015

Sobre o Inverno

Trilha sonora: clique aqui



Pesei minha mochila. Pouco mais de 10 quilos – que na primeira hora pareciam inofensivos, mas depois de alguns dias pareciam que iam quebrar minha coluna no meio. Trekking boots nos pés. Na mochila, um par de chinelos e um de AllStar, algumas roupas leves, dois conjuntos térmicos tipo segunda pele, dois casacos e perfumaria necessária. Sem maquiagem, sem escova de cabelo, o par de brincos da sorte nas orelhas, livro e um set list de arrasar no meu celular. Suficiente pra uma mochilada de mais ou menos duas semanas pelo Uruguai.

Minha amiga foi de avião direto pra Montevidéu alguns dias antes e depois foi me encontrar em Punta del Diablo. Eu entrei pela porta dos fundos. Poderia ficar aqui discursando sobre a escolha pela aventura, pela chance de conhecer Chuí, pela estrada que tanto amo... Mas vou ser bem honesta: foi pela economia. Entrar no Uruguai de ônibus me custou um terço do valor que pagaria se fosse direto. Foi cansativo, estressante, cheio de lugares bizarros, paradas no meio da noite e gringos perdidos, porém o valor compensou tudo isso aí.

Primeiro passo: passei alguns dias pesquisando tarifas promocionais para o trecho São Paulo/Porto Alegre. Apareceu uma mega máster blaster promoção pela Avianca, e lá estava eu, feliz da vida pagando menos de 290,00 reais por ‘ida e volta’ a Porto.  Chegando lá, fiz um transfer até a estação de trem usando um moderníssimo ‘aeromóvel’, e pelo valor de R$ 1,70 cheguei à rodoviária. A empresa Planalto faz esse trecho. Pouco mais de 7 horas de viagem, cheguei em Chuí. Aquele lugar onde o Brasil acaba, onde o câmbio é o melhor que existe e você não entende nada do que falam. Não é nem português, nem espanhol, nem inglês. É algo no meio disso tudo.

Tradição de mochileiro. 1: sorria pra todo mundo, arrume uns amigos gringos e descole bolachas gratuitamente. Foi assim que conheci Markus e Phillipe, dois rapazes de Hamburgo, que decidiram passar um ano rodando o mundo. Não sabiam pra onde ir, se interessaram pelo meu roteiro, e lá estávamos nós três procurando pousada e alimentação no meio da noite em Chuí. Encontramos o suficiente pra conseguirmos passar a noite aquecidos e alimentados. Na manhã seguinte, partimos pra Punta del Diablo. Mais um ônibus, mais algumas horas e lá estávamos mais uma vez, perdidos no meio do nada. Com exceção de dois cães que cruzaram nosso caminho, nada mais existia naquela praia. Nenhum comércio aberto, nenhum carro, nenhum ser humano. Apenas a felicidade de estar num paraíso perdido e vazio. Encontramos facilmente o hostel onde tinha reservas, e lá passamos os primeiros dias na ‘ex’ terra do Mujica.

Tradição de mochileiro. 2: antes de qualquer coisa, veja o que deixaram pra trás na geladeira. Sempre tem tempero, macarrão, molho de tomate, sal e óleo. Depois, vá ao mercado e compre o que falta. Com pouquíssimo dinheiro, você faz pelo menos 4 refeições.
Fizemos mais alguns amigos, descobrimos que não entendemos nada do inglês australiano, caminhamos por horas e horas pela praia deserta, tomamos chás, comemos doce de leite e rimos. Muito. De tudo, o tempo todo. Fotografei, li, (não) dormi.

Mochila nas costas, melhor pessoa do mundo do lado, fones de ouvido. Rumo à Castillos. Aquele lugar onde existia um caixa eletrônico e ônibus pra um monte de lugar. Aquele lugar onde o caixa eletrônico não funcionou, onde nenhum restaurante aceitava cartão de crédito e onde sentamos na calçada e quase choramos. Onde uma caixa do mercado docemente ofereceu que pagássemos com cartão algumas compras de uma senhora que pagaria com dinheiro. Onde conseguimos comprar pão, frios e suco pra almoçarmos e seguirmos cantando alegremente para um paraíso de verdade: Cabo Polonio

O ônibus te deixa numa espécie de terminal, onde você paga uma taxa pra poder entrar em Cabo. Um 4x4 te leva até o povoado por uma estrada rústica de aproximadamente 6 km. Lá tem um farol, um hostel, um mercadinho e praia. Lá tem leão marinho, lobo marinho, dunas e gaivotas. Lá tem espetáculos da natureza por todo lado, o dia todo, a noite toda. Lá é o lugar onde um dia eu vou morar. Lá tem o Sr. M. – não posso identifica-lo, por que ele pediu que mantivéssemos segredo sobre ele ter nos convidado a subir no farol depois do horário de visitação, gratuitamente, para vermos o pôr-do-sol lá de cima e termos a honra de acender as luzes do farol. Foi aquele momento em que eu agradeci o presente que o Universo estava me dando. Meus olhos encheram de lágrimas. Fiz uma oração e vi o mundo do ângulo que mais amo. Que mais busco.

Cabo Polônio foi onde conhecemos Mauro. Argentino, fotógrafo, alpinista, sonhador. Conhecemos Roxy e James. Casal de Whitehorse, Canadá. Mauro ficou no Viejo Lobo, onde mora e trabalha. Dividimos com ele um nascer do sol, uma lua cheia vermelha e algumas sessões de fotografia.



Depois de dois dias no povoado, seguimos pra Montevidéu, dessa vez com Roxy e James conosco. Roxy é escritora, viajante profissional. Até agora eu não entendi direito o que o James faz. Estão na estrada há 6 meses, começaram lá perto do Alasca e vão terminar na Patagônia. Casal interessantíssimo, companhias perfeitas pra dividir quartos compartilhados em hostels, refeições e algumas horas de caminhada.




Cidade. Pessoas, carros, transito. Taxista safado tentando enganar a gente. Arquitetura apaixonante, liberdade e comida cara. Walking tour gratuito. Montevidéu é aquele lugar que depois de alguns dias você já começa a procurar lugar pra morar. Aprendemos a andar pela cidade facilmente, tomamos cafés deliciosos, porém passamos mais tempo nas Ramblas do que em qualquer outro lugar. Lá na capital, conhecemos Lucas, paulista de Campinas e Grant, da Califórnia. Mais alguns argentinos e finalmente, alguns uruguaios. Deixamos nosso cadeado na fonte, agradecemos e partimos.


Seguimos pra Colonia do Sacramento. Cidade histórica, pequena, deliciosa. Nos despedimos de todo mundo. Roxy e James seguiram pra Córdoba com Lucas. Grant sumiu. 

Minha amiga foi pro aeroporto de Montevidéu e eu peguei o ônibus de volta pra Chuí, depois pra Porto Alegre.
Missão cumprida. Inverno de 2015 trazendo de volta a sensação de que vale a pena sim. Vale a pena o trabalho, o esforço, o amor e a dedicação. Tradição de mochileiro. 3: trabalhar pra ir cada vez mais longe, com a mochila cada vez mais leve.



Obrigada Mariana. 

Obrigada Universo.