sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Sobre Tito


 
 
Quando ela entrou naquela casa a única coisa que pediu foi pra que ele fechasse as cortinas e a porta, apagasse as luzes e a cobrisse. Precisava se esconder e não havia lugar melhor naquele momento para isso. Ela o olhou com seus olhos de Teresa de Kundera. Olhos adoecidos de um mundo todo. Perdidos e pedindo. Ele entendeu em um meio silêncio, fez o que pediu e se deitou ao lado com seu controle remoto nas mãos. Nada importava naquele momento. Ela estava indo embora e precisava se despedir. Ele, com sua habitual compreensão, sabia que era uma despedida. Não sabia quantos dias ela demoraria lá. Sabia que tudo estava pra mudar, mas mesmo assim, sabia que precisava dela ali deitada de bruços olhando pra ele e tentando sorrir. Tudo doía tanto. Até então ela não havia se dado conta que não se alimentava há dias. Uma fome violenta veio e ele a alimentou. Alívio pro corpo, pra alma e pra mente. O desespero enfraquecia diante de tais cuidados. Foi aí que ela adormeceu. Por quase dois dias seguidos.
Sentiu um cheiro forte de café antes de abrir os olhos. Uma luz fraca entrava pela janela, e a primeira coisa que viu ao despertar foi um cãozinho tentando puxar seu osso que nesse momento estava debaixo dela. Levantou um pouco as costas, o suficiente para ajudar Tito, o cãozinho, a retirar o seu brinquedo. A porta do quarto se abriu e ele entrou, carregando uma xícara de café com leite. “Café fervendo, leite frio e 9 gotas de adoçante. É assim, não é?”, perguntou sorridente. Ela concordou com a cabeça, sorriu honestamente e bebeu dois longos goles de seu desjejum preferido. Leram alguns textos, tentaram escrever alguns poemas. Falaram pouco.  
O dia de ir embora estava próximo e ela precisava sair dali. Uma força parecia a segurar naquele lugar. Passava os dias com o cãozinho, não se alimentava até que ele voltasse do trabalho e cozinhasse algo pra ela. Aquilo não o incomodava. Ele sabia que precisava voltar pra casa e alimentar aqueles dois seres que o aguardavam com tanto carinho. Eles conversavam sobre o dia dele. E ela lia pra ele os melhores textos que havia lido no dia dela. Comentavam o telejornal, se alimentavam, adormeciam juntos e muito cansados.

Até que um dia ele voltou do seu trabalho e ela não estava mais lá. Nenhuma carta, nenhuma mensagem. Tito olhava pra ele, como que dizendo “é, meu amigo... ela se foi”. Ele sentou-se na cama, sentiu o cheiro dela no seu travesseiro e adormeceu. Por dois dias seguidos. Ele sabia que ela estava feliz. E isso bastava.

Acordou, tomou um gole de conhaque e saiu pra trabalhar.

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