quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Notas da Estrada I - Sobre a Distância

Quanto mais se viaja, menor fica a bagagem. Menos sapatos, menos volume. Aumentam os livros, as notas rascunhadas nos guardanapos, os buracos nas meias e os hotéis baratos perdidos no meio das estradas. Mantém-se o anonimato. A única coisa que importa ao viajante. A liberdade de não ter que ser ninguém. Ou ser qualquer um.
Quanto mais se viaja, menor é sua bagagem. Chega uma hora que carregamos mais ou menos aquilo que cabe no bolso. Um celular, um maço de cigarros, o documento, o cartão de débito. E toda a coragem do mundo.
O fim do mundo tem um canto. E é nesse cantinho que eu me escondo agora.
Há algumas pessoas dividindo esse espaço gigantesco comigo. Anônimos. Conversam animadamente, apesar de o assunto girar em torno de tristezas. Opto por não falar com ninguém. Exceto esse rapaz de camiseta verde com quem tenho que trocar algumas palavras de vez em quando. Estamos dividindo o único cinzeiro do local. Ele pergunta se pode pegar, e depois devolve. Eu pergunto se posso pegar, depois devolvo.
A estrada é cheia de silêncios. Mas nenhum tipo de constrangimento surge em meio a ele. O silêncio aqui não incomoda ninguém. Todos nós, de alguma forma, viemos buscá-lo.
De vez em quando ouço um assovio. Seja de alguém, seja de algum pássaro. Não se reconhece mais o que é humano ou o que é bicho. São todos livres. Não precisam ser distinguidos.

Os vagabundos circulam. Mas não param aqui. Cumprimentam-nos e seguem seus caminhos cambaleantes. Tentando encontrar equilíbrio onde quase não há. Não pelo lugar, mas pelas escolhas.
A estrada é boa pra esquecer. Mais fácil ainda esquecer quem nunca existiu. Difícil é deixar ir o que é verdadeiro. Porém, se nunca existiu, por que guardar na memória?  “Deu tudo errado, meu senhor. A sua piada não é mais engraçada. O seu personagem é ruim. Em todos os sentidos.“

Hora de guardar apenas o que é real.

Em Alto Paraíso, Goiás.

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