Viajante Individual
sexta-feira, 21 de outubro de 2016
A passagem, a passageira e o passo.
Certo dia li uma matéria sobre o saudoso Tele Santana, a
quem eu, amante do futebol não poderia deixar de admirar pela brilhante
historia e alegrias que trouxe a mim e a toda a minha família por todos esses
anos. O admirava pelo trabalho que fez, pelo legado que deixou ao partir. Porém,
naquela matéria que eu perdi em algum lugar nessa bagunça virtual, pude
perceber que havia algo a mais a aprender. Nesse dia, lia com o intuito de me
distrair, tamanha dor que sentia ao ser confrontada com minhas maiores
fragilidades e sem querer entendi o que eu tinha que fazer.
Ele contava que ao ganhar um dos gloriosos títulos, um dos
dirigentes do clube em que trabalhava viera cumprimenta-lo pelo campeonato logo
após o final do jogo. Tele Santana, sorriu e agradeceu com a cabeça. Uma das
pessoas ao seu redor perguntou-o porquê ele não retribuíra o cumprimento no
mesmo nível de emoção e mais, por que ele não estava comemorando. A resposta
foi simples e direta: porque é assim que eu estaria se eu tivesse perdido o
campeonato, mas essas pessoas não estariam me abraçando tentando me confortar.
Sorrir e agradecer com a cabeça. Foi isso que eu fiz. Pra tudo.
Para todos. Em todas as situações em que me encontrava. Sorrir porque é minha maior característica e agradecer, minha maior virtude. Eu agradeci todos
os passos que dei.
A minha vida é a minha estrada. Nessa estrada eu sempre
conduzi o carro, eu sempre escolhi as pessoas que estariam dentro dele, durante
aquele trecho, ao longo daqueles quilômetros. Porque são essas as pessoas que
me ajudariam a me encontrar. Pessoas com as quais convivemos tem a única função
de nos fazer enxergarmos a nós mesmos. E foram centenas de pessoas até então
que eu conduzi e que eu escolhi estar comigo.
Até a hora que eu virei uma passageira no carro de alguém.
Até a hora que eu dei permissão pra alguém conduzir junto comigo, dividindo os
trechos, me deixando levar quando necessário, e me levando quando eu precisei. E
somos isso. Condutores de um carro só. Passageiros de nós mesmos. Alguém que
conduziu na noite escura e fria, sozinho, acordado, apenas pra que eu pudesse
dormir em paz sem saber da tempestade de neve que ameaçava a nossa viagem.
Alguém a quem eu dirigiria até o final do continente pra mostrar um por do sol
e deixaria sentado ao meu lado só pra sentir o seu cheiro doce e ouvir sua voz
cantando pra mim. Somos condutores de nós mesmos. Sorrimos e agradecemos.
Choramos e lutamos. Enfrentamos estradas duras, cheias de buracos e vazios,
cheias de obstáculos e pavimentos antigos. Furamos o pneu uma vez. Mas juntos o
trocamos. Vencemos esse primeiro trecho.
Nesse momento, alternando a direção, colocando passageiros
no banco de trás, escolhendo os momentos certos pra avançar mais passos. Eu
estou perdida. Encontro-me no banco de passageiro, fotografando pela janela,
olhando pra ele focado na direção e vendo qual caminho queremos seguir. Não
importa pra onde estamos indo. Não importa pra onde ele está me levando agora.
Não importa pra onde eu o levarei no próximo trecho.
Estamos no mesmo carro e a
nossa estrada é cheia de luz.
Que a vida nos dê passagem.
quinta-feira, 8 de setembro de 2016
Sobre ser isso
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É como se estivesse tentando prender o ar dentro de um pote
de vidro. É a sensação que eu tenho quando me vejo presa geograficamente por um
longo período. É a mais pura verdade: sem viajar eu não consigo nem escrever.
Me viro como posso, presa nessa cidade que me sufoca. Abraço
árvores em pracinhas da esquina, de vez em nunca vagueio pela cidade à noite,
sozinha, em lugares relativamente seguros, só pra poder respirar a cidade,
ouvir um pouco do silêncio da noite, e me sentir um pouco livre. O excesso de
pessoas, carros, barulho faz mal pra mim. Elevadores, espelhos, escadas
rolantes, celulares com pessoas gritando com você por motivos que você não
entende. Protestos, vigilância, opressão. Tudo isso me mata aos poucos. Não,
não são os meus vícios que me matarão. É a tristeza de ver um mundo com pessoas
tão alienadas com tanta razão e tão dispostas a te julgar e te sentenciar. Só
porque você escolheu ser assim.
Ser livre pra mim é estar na estrada. É conversar com
anônimos que não esperam nada de você, a não ser uma boa história, ou uma piada
inusitada. É poder falar apenas com quem eu quiser. De preferência só com as
pessoas a quem eu pagarei pelas minhas refeições e acomodação. É poder meditar
ao som do mar sem ser interrompida pelo martelo do pobre vizinho que só tem os
fins de semana para construir seu barraco humilde na rua de cima da minha casa.
Sinto falta de andar numa trilha, de ver cachoeira, de
contar estrelas, de acender fogueira para assar marshmallows e salsichas, de
tomar chimarrão, de passar o dia dentro da água. Fotografar tudo, fotografar a
vida, fotografar os milagres de Deus. De abraçar árvore sem ninguém te olhando
como se você fosse a louca do sobrado. De ficar descalça com o pé imundo e só
calçar algo se forem meus trekking boots.
Trabalho para ter isso de volta. Cedo ou tarde estarei
explorando mais uma cidade histórica, subindo mais uma montanha, armando mais
um acampamento, carregando 28 quilos de mochila nas costas. Pelo menos por alguns dias. Sozinha ou
acompanhada não importa. Quero apenas me sentir livre e parte da natureza de
novo. Sem muros, sem concreto, sem conexão. Que minha única “rede” seja aquela
que eu vou me esticar no final da tarde depois de um dia de aventuras.
Porque eu preciso voltar a ser quem eu sou de verdade.
Uma
viajante.
sexta-feira, 15 de julho de 2016
Sobre permanecer - do enraizamento
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Ficar, enraizar, permanecer, estar. Tirando todo o lado
negativo que essas palavras trazem a um viajante, elas também podem representar
uma estabilidade emocional, profissional e consequentemente, financeira. O que
se faz no futuro com o dinheiro que se ganha no presente é o que define o lado
positivo ou negativo dessas fases.
Certamente comprarei alguns quilômetros de
distancia, e mais um punhado de experiência e liberdade com o lucro material
que meu conhecimento multiplicado me traz. Certamente usarei parte dele para
ajudar quem realmente precisa, como uma pequena forma de agradecer a saúde e a
sorte que tenho nessa vida. Certamente empregarei nele todas as melhores
energias, para que nunca falte.
E enquanto ficar usufruirei dos dias quentes e noites
geladas dessa tentativa de inverno e das gratuidades que uma cidade como essa
que eu vivo me oferece. Aproveitarei os parques, as ruas e as casas
abandonadas. Acordarei em hotéis decadentes do centro da cidade, fotografarei o
pânico que a multidão me faz sentir e o céu que sempre me traz lágrimas nos
olhos. Falarei bobagens, discutirei filosofia barata, rirei todos os dias um
pouco. Ou muito.
Aceito que tenho que ficar. E farei desse período o melhor
que puder. Como sempre. Como em qualquer lugar do mundo.
quarta-feira, 1 de junho de 2016
Sobre os círculos e ciclos da aceitação
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Das perdas irreparáveis que são sempre seguidas de escolhas
relevantes. Quem escolhe viver pra viajar não sabe o que é viajar pra viver. A
pessoa que corajosamente enfrenta uma estrada sozinha sabe que o mundo é feito de
formas e que o círculo é o que mais lhe convém. Onde correm livremente sem
obstáculos, mas de alguma maneira sempre acabam voltando pro mesmo lugar. As
coisas mais belas são em formato circular. O sol, a lua, o planeta. Não me
prenda em quadrados onde os cantos existem pra me deixar sufocada diante da
vontade de ser livre. Estar livre é passageiro. Ser livre é um estado de
aceitação.
Aceito a minha escolha de ficar. Por dores, por sabores e
amores. Aceito ficar porque o que mais preciso nesse momento é estar atada nas
minhas raízes. Deixarei a árvore crescer, mas a deixarei no meu quintal. Os
frutos virão, tais como os pássaros que se alimentarão deles. Mas agora, nesse
exato momento, eu preciso da minha base, da minha janela, do abraço de meu pai
e da barra da saia da minha mãe.
Aceito que a minha outra vida tem que esperar um pouco. Que
ela existe e está segura dentro de um paraíso escondido no final do continente.
Aceito que boa parte dos que eu amo estão longe. Alguns em
outras cidades, outros em outros países, e até um em outro continente. Infelizmente,
alguns já me esperam em outro plano. Aceito que a distância é necessária, e
quem viaja pra viver sabe o que é a delícia de um reencontro. Seja ele quando
for. Se tiver que ser. – Na rua, na chuva ou na fazenda. Ou lá na minha casinha
de sapê...
Aceito o meu novo ciclo de vida, sentindo a paz que eu busco
tanto e trabalho duro pra ter. Grata ao meu último ciclo que se encerra, pois sei
que as escolhas que fiz me trouxeram onde estou. Que eu continue fazendo as
escolhas certas, que eu aceite as erradas. E que, acima de tudo, eu continue
sendo sincera e honesta com os meus sentimentos e desejos.
Porque é só assim, aceitando a verdade dentro de mim e de meu coração que eu consegui chegar perto daquilo que as pessoas costumam chamar de felicidade. Eu chamo de liberdade.
Porque é só assim, aceitando a verdade dentro de mim e de meu coração que eu consegui chegar perto daquilo que as pessoas costumam chamar de felicidade. Eu chamo de liberdade.
sexta-feira, 13 de maio de 2016
São Paulo, São João, São Francisco e finalmente, SÃO SEBASTIÃO
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Uma das coisas que afetam diretamente meu humor é a estação
do ano. Logo, sabia que quando o verão acabasse e o outono finalmente desse as
caras por aqui, muitas coisas mudariam na minha rotina. Porque no outono eu me
preparo, no verão eu vivo. No inverno costumo me apaixonar e viver grandes
amores. Na primavera eu vou pras cachoeiras meditar.
Precisava escolher onde dizer “adeus” ao verão. Onde
passaria as últimas horas, onde veria o último nascer do sol, o último por do
sol. Porque essas são as coisas que realmente me importam. Escolhi São
Sebastião, litoral norte de São Paulo. Dentro do meu budget para as viagens do
verão consegui fazer uma mini viagem de cinco dias.
Encontrei um hostel incrível em Maresias, 200 metros da
praia. Café da manhã maravilhoso, bar rock and roll, gente alternativa, piscina
e quartos compartilhados com banheiro privativo, ventilador, luz e tomada em
cada cama. Fiquei num quarto com cinco pessoas, e duas delas se tornaram parte
da minha estrada e da minha vida.
Foram três praias (sendo que uma era deserta), duas amigas, muita
farofada na areia, alguns “amigos” novos que surfavam por lá, e muita água
morna e cristalina.
Choramos abraçadas ao ver o último por do sol e tivemos a
certeza que a viagem foi uma das melhores escolhas de última hora que nós três fizemos.
Julya voltou para Aquidauana, MS. Tathiana está por aí em alguma praia
qualquer. Já eu, voltei para o Guarujá em Abril, e aguardo ansiosamente os dias
que faltam pra próxima viagem.
Grata ao Universo.
quinta-feira, 7 de abril de 2016
O Mar Casado
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Nessa altura da minha vida e com tantos quilômetros rodados
por essas estradas, nunca imaginei que fosse encontrar o meu cantinho preferido
tão perto de casa. Muita gente tem a impressão que um viajante só viaja pra
longas distancias. Que só faz mochiladas malucas em lugares remotos, que só
está interessado em lugares com mais de 1000 km de distância do seu ninho. Não
é bem assim. A necessidade de quem tem esse ritmo de vida é descobrir. Lugares,
comidas, cheiros, pessoas. Seja onde for. Pra se ter uma ideia, eu sou o tipo
de viajante que quando não tenho possibilidade de viajar, vou pra algum lugar
que nunca fui dentro da minha própria cidade. Moro em São Paulo e eu posso
fazer isso todo o dia se quiser. Sempre haverá um lugar novo e um ônibus pra eu
chegar lá.
Nesse verão, descobri que o Guarujá é muito mais que a
Enseada. Confesso que evitava praias muito próximas de casa. Pelo número de
frequentadores e qualidade da água. E daí que tem um cantinho lá que é um
paraíso perdido. Com tartarugas gigantes, água cristalina, areia branca, bica
de água potável e o mais importante: quase ninguém. O por do sol é um
espetáculo sempre.
Esse ano eu passei mais tempo nesse canto que dentro da
minha própria casa. Qualquer chancezinha, e lá estou eu. Recomendo o Hotel Mar
Casado, que tem preços acessíveis e fica razoavelmente perto da praia. Não é lá
essas coisas, mas vale o custo. Tem café da manhã e os quartos são limpos. Pra
quem faz viagens “low budget” como eu, bom lembrar-se de levar coisinhas pra
comer e um cooler pra manter sua bebida fresca. Os quiosques ficam longe e
claro tudo é muito caro (pelo menos pra mim).
Pra quem vai de ônibus, do Jabaquara saem ônibus de hora em
hora pro Guarujá. O custo de ida e volta dá em torno de R$ 60,00. Descendo na
rodoviária de lá, vá até a avenida principal e pegue o ônibus 55. Custa 3,20 e
te deixa na “porta”. Chegando no Mar Casado, caminhe até as pedras – nada mais
de 10 minutos de caminhada.
Pra quem vai de carro, não sei. Use o Waze.
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